PARATI

O que podem ter em comum um ex-monge hare krishna, uma apresentadora de programa culinário de Boston e um chef de cozinha de Marselha? Uma paixão fulminante. Ou para ser mais exata, uma paixão fulminante por uma mesma cidade: Parati.

Sérgio Vieira abandonou a vida de peregrino da fé que levou por oito anos para virar guia turístico. Yara Castro Roberts, mineira casada com um franco-americano, deixou seu posto como apresentadora numa série sobre gastronomia do canal People & Arts e abriu uma escola de culinária brasileira para estrangeiros, o Academy of Cooking and Other Pleasures (além de ser diretora da belíssima Casa de Cultura de Parati). Yves Lapide fechou seu conceituado restaurante na Cote d´Azur e inaugurou um pequeno bistrô, ao lado da escola de Yara, o Le Castellet. Hoje, nenhum deles imagina como seria viver longe das casas coloniais caiadas de branco e do mar azul e calmo de Parati; não concebem trocar a vida gostosa num lugar onde ainda pode deixar a porta da sala destrancada; não abrem mão de estar entre pessoas de todo o mundo sem nem precisar ir até a esquina. Eles não querem saber de outra vida por que é lá, entre mata e mar, que todos construíram seu paraíso pessoal.

A primeira dúvida que aparece, e se dissipa rapidinho quando se conhece Parati, é por que tem tanto gringo por lá, enchendo as vielas do centro histórico, um dos principais responsáveis por seu charme, com seus sotaques. Ora, por que, além de ser linda, tem um apelo sensual de um destino tropical e uma caipirinha maravilhosa, o passado é vivo e acena em cada esquina, cada construção curiosamente preservada pela decadência da cidade como principal porto de escoamento de ouro, ficando assim isolada no tempo e no especo durante décadas. ÿ como voltar ao Brasil de 1700, sem o inconveniente de pisar em sujeira de cavalo pelas ruas; como ter uma aula de história ao vivo num cenário paradisíaco, com comida de primeira e um bom papo em qualquer idioma e lugar.Parati é onde se encontra quem gosta da vida boa sem frescura.

Esqueça iates, salto alto (bem, por que o calçamento de centro histórico, de paralelepípedos centenários, é perfeito para quebrar o tornozelo de quem insiste em não andar de chinelo), espumantes franceses e música eletrônica. Parati está mais para lentos barquinhos de pescador levando turistas plácidos, papete, cachaça pura e mpb ao vivo. E este último item é a cara da cidade: à noite quando você estiver passeando tranqüilamente pelas ruas do centro histórico à procura de uma baladinha gostosa, vai passar por dezenas de cantores e seus violões nos bares, entoando hinos da música popular, como Espanhola, Sem Lenço, Sem Documento e a obra inteirinha do Djavan. ÿ só se sentar, pegar sua cerveja e se juntar ao coro emocionado, madrugada adentro.

Existe um quesito no qual Angra e Parati se parecem: ambas têm em comum o fato de não possuírem praia propriamente dita: elas, e as ilhas, estão superacessíveis (isso significa poucos minutos de navegação partindo do cais da cidade), mas não dá para sair do hotel e cair no mar. E isso é ótimo: obriga o visitante a vencer a preguiça litorânea e conhecer os arredores. E que arredores! O passeio mais tradicional é o que sai do cais e passa pelas ilhas próximas (Duas irmãs, Comprida, Araújo, Rasa, Algodão, Catimbau) e algumas praias (Vermelha, Jurumirim, da Lula). Nesse trajeto, dá pra mergulhar com peixinhos (Ilha comprida), tomar sol em areia fofa e mar transparente (Praia Vermelha) e até conhecer a casa de Amyr Klink (Baía do Jurumirim), mas é mais para a frente que fica o crème brulée, o chantilly do sorvete de Parati: Saco do Mamanguá, Pouso de Cajaíba, Martins de Sá, Ponta Negra, Gaietas, Praia dos Antigos e do Sono. Longos trechos de areia deserta (ou diversos pequenos trechos de areia desertos, como se encontram no Mamanguá, cada casa tem sua própria prainha privé, bem em frente à porta da sala), canto de pássaros, mata preservada, ventinho ameno, ausência de ruídos estranhos, como música enervante ou grito de Uhu! Que lugar! ( se acontecer uma demonstração espontânea de prazer provavelmente será sua). Essas paragens (ainda)reservadas vão exigir um bom tempo no mar e uma certa força de pernas se você optar por chegar até alguma delas por trilha, mas vale cada fungada de cansaço e a constatação de que não é preciso atravessar o mundo para encontrar recantos ensolarados e dignos de cartaz de agência de turismo. ÿ só ir até o outro lado da enseada.

Sabe outra vantagem exclusiva de Parati? Ela é ótima até para quem não gosta de praia, enjoa no ar e tem horror a areia. Sem entrar no mérito quanto ao humor dessas pessoas, se você conhece alguém assim ( e tira férias com o ser), relaxe, seus problemas acabaram: enquanto você se esbalda na natureza, ele pode ir até uma Festa da Pinga, assistir a um festival de cinema, ver a Festa do Divino (uma tradição religiosa que remonta os tempos do Brasil colônia)... ÿ só checar o calendário de eventos e se programar para curtir Parati do jeito que mais lhe aprouver. Mas de todos os agitos gastronômicos-culturais, um se tornou a menina dos olhos da cidade e atraiu a atenção do mundo todo: a Flip, ou Festa Literária Internacional de Parati.

Apesar de só ter dois anos de vida, a Flip foi responsável por algo inédito no Brasil, tornou literatura uma festa com tudo o que elas têm de bom: converse animado, diversão, boa bebida e gente de todos os cantos compartilhando experiências. Isso, por si, só não seria relevante se não fosse um detalhe: essa ?gente de todos os cantos? são alguns dos maiores nomes das letras mundiais, tomando pinga e batendo papo com o público. Ano passado, por exemplo, Paul Auster, Margaret Atwood, Martin Amis, Ian Mc Ewan estavam ao lado de Caetano Veloso, Luiz Fernando Veríssimo e, a grande loucura das mulheres presentes ( que faziam literalmente, de tudo para serem notadas por ele), Chico Boarque. O detalhe mais pitoresco da festa é que depois das palestras (nas quais o público pode participar), todos, autores e fãs, vão para os bares da cidade e ficam por lá até o sol raiar, nessa, dá pra se sentar à mesma mesa do Paul Auster e falar tête-a-tête o que você achou do final do seu último romance Noite do Oráculo. Se você se interessou em participar da festa deste ano, entre no site oficial(www.flip.org.br) e inscreva-se com bastante antecedência: ela acontece em julho, mas os ingressos se esgotam muito, muito antes disso.

Você pensa que o roteiro ?engordar é inevitável? ficou em segundo plano por causa de tanta cultura? Nananina! A vida gastronômica de Parati está cada vez mais apetitosa e com temperos do mundo todo. São tantas as boas opções, e tipos, de comida que é impossível ter um jantar ruim. Em apenas quatro quarteirões dá para escolher entre os sabores picantes da cozinha tailandesa do Thai Brasil, o capricho da Anna na preparação de pratos exóticos do Banana da Terra (prove os que levam ingrediente que dá nome à casa), as porções fartas e o sabor caseiro dos peixes do Restaurante do Hiltinho, as tapiocas e os doces dos carrinhos nas ruas do centro histórico (o único tipo de carro que passeia por lá, aliás), o sorvete artesanal da Miracolo... Após a olímpica refeição, nem pense em voltar ao hotel: visitar Parati e não tomar nenhuma cervejinha às mesas do bar Coupe, na Praça da Matriz, não ouvir nenhum blues no Paraty 33 nem curtir uma bossa nova no Café Paraty é como ir a Roma e não visitar o Vaticano: um pecado mortal.

Amanheceu e o dia está maravilhoso? Aproveite ao máximo: pegue um carro e vá à deliciosa Praia de São Gonçalo (cerca de 30 quilômetros no sentido Rio) ou a vilinha eternamente hippie de Trindade ( e dê um mergulhão na piscina do Cachadaço), visite algumas das cachoeiras da região (Iriri, Tobogã, Pedra Branca, Usina, elas ainda não são populares entre os turistas e costumam ficar vazias), mas, ao voltar, saque o cartão de crédito sem medo: fazer comprinhas por lá é uma atividade tão prazerosa quanto tomar banho de água fria no verão. A oferta de lojas bacanas é imensa.

Depois de passar alguns dias em Parati curtindo a natureza calma e imerso no clima tranqüilo, você não terá mais nenhuma dúvida sobre as razões que fizeram Sérgio Yara, Yves e tantos outros jogarem tudo pra cima e se mudarem de mala e cuia pra lá: é uma benção viver num lugar no qual o sol, as pessoas, o clima e o mar estão sempre de bom humor.

Revista Viagem & Turismo (fevereiro 2005)

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